Sunday 6 May 2007

Playground: Manifesto (PT)

PLAYGROUND



Introdução


Parafraseando um filósofo português, Agostinho da Silva, o Homem não nasceu para ser escravo, mas sim para ser poeta (à solta).
Aquela criança curiosa, criativa, sonhadora, que um dia dentro de nós viveu, já não existe. E porquê? É um facto natural da vida que toda a criança passe à fase adulta e se transforme numa individualidade consciente da sua existência, ansiando ocupar o seu lugar no mundo. E o que é o nosso lugar no mundo? Onde é? Como é que o conhecemos?
A sociedade contemporânea encontra-se num paradoxo ideológico. O sistema económico adoptado, como o mais viável, apoia-se simultaneamente em ideais de liberdade e democracia e numa pirâmide castradora desses mesmos ideais. Próximo de uma luta pela sobrevivência, esse sistema, sobrevive com a existência de escravos-voluntários, seres humanos na base da pirâmide, que esperam a ascensão na mesma.



A Tecnocracia e o Utilitarismo...


Numa sociedade piramidal dominada pela tecnocracia e pelo utilitarismo, a competição é considerada uma mais-valia valorizando-se paradoxalmente o trabalho em grupo.
O grupo, visto, incessantemente, como uma forma de conseguir uma maior e mais rápida produção, é submetido as tradicionais protocolos técnicos sendo obrigado a executá-los sem que haja qualquer lugar para o inútil, e ainda menos um lugar para o erro, que curiosamente nos ofereceu uma grande parte do conhecimento. Também a Arte sofre com este estigma.
Não havendo lugar para o inútil, para a curiosidade, para o sonho ou para o erro que nos permite aprender, não há lugar para a criação de novas possibilidades. Prefere-se assim o cruzamento purista do que é já existente, recorrendo-se ao controle técnico.
Ainda que o método cientifico, nos ofereça as suas probabilidades, a experimentação continua bloqueada nos seus flancos não se criando mais possibilidades.
O destino do Mundo está assim nas mãos de uma ditadura da Técnica. O homem, mais longe da sua individualidade, já não nasce mais para ser poeta, mas para ser um técnico útil à sociedade.



A Criatividade I: o Erro, a Deriva


A célebre expressão Errare humanum est, acompanhou o progresso tecnológico da sociedade ocidental. A globalização carrega hoje esta afirmação ao Mundo, usando-a como desculpa para o fracasso de grandes projectos humanos, como o da Liberdade.
Pensar que o Homem se precisa de desculpar por ser humano, parece completamente ridículo se pensarmos que nenhum outro animal o faz. Um cão jamais deixará de ser canino, e um gato nunca deixará de ser felino. Mas o Homem quer deixar de ser humano! Ele quer mais!
O Erro é visto pois como limitação humana, que incapacita o homem de alcançar um patamar mais deificado. Parece-me porém contraditório, que se pense o Erro dessa forma, quando por toda a História humana, o Erro aparece como a forma mais criativa, a ferramenta mais sublime da criação humana. Não penso por isso que errar seja a pior das características humanas.
A Deriva está directamente ligada ao aleatório, e por isso também ao erro. Podem ser analisados por toda a História da Arte muitos exemplos, tanto de derivas técnicas, como derivas conceptuais, ou outras, tal como a deriva pelas cidades praticada pelos situacionistas.
A deriva é um processo intelectual que é muitas vezes subestimado, só porque se encontra ligada ao erro.



A Criatividade II: as Barreiras e as Limitações


Todo o ser, porque vive e é sensível, nasce limitado.
As barreiras físicas são à partida limites ao livre-arbítrio humano.
As leis, normas e regras, criam mais leis, normas, regras e condutas perturbadas. A vida parece cada vez mais limitante! As crianças deixam de ser crianças e são postas na escola para ser padronizadas. Às mais especiais, é-lhes exigido que sejam especializadas. Os pais já não podem ser pais, pois tem de trabalhar. Família? Tempo, tempo tempo, onde está o tempo? Não há tempo! Os suicídios juvenis aumentam. Aumenta o pessimismo no futuro. Todos os caminhos parecem bloqueados. Liberdade? Futuro? Um sistema exausto, desgasto e sem mais referências. Onde estão as máquinas de que os futuristas falavam? Onde estão as máquinas escravas? Serão os relógios, os telemóveis, os computadores? Será que são a Imprensa, a Rádio, ou a Televisão? Será esse o futuro? O medo, o terror, a fragilidade criada dentro de barreiras protectoras?



Arte e Brincadeira (playground)


A palavra Brincadeira, talvez é traduzida para inglês como "Children's Games".
A palavra que mais me pareceu mais ilustrativa para este caso foi o local da actividade, o recreio, playground em inglês, (pela proximidade Brincar=Play).
Parafraseando, Johan Huizinga, professor e historiador holandês, a cultura nasceu com a brincadeira. E esta é portanto anterior aquela.
A brincadeira é uma actividade que todos nós conhecemos, mas que consideramos como infantil. A palavra adquire a maior parte das vezes um carácter pejorativo, porque é vista como oposta ao trabalho. Supõem-se que quem não trabalha, brinca, se diverte e por isso não produz.
É por haver um preconceito em relação à brincadeira, que não se dê a devida atenção à mesma especialmente ao seu enorme potencial criativo.
A brincadeira é talvez a actividade intelectual mais primária do Homem, talvez a mais criativa, pois não se trata de uma produção forçada. A diversão é o principal objectivo e a principal característica. Trata-se de puro prazer intelectual.
A Arte como sendo parte da cultura é portanto "filha", da Brincadeira.
Embora a Arte tenha usado a Brincadeira, ou a estética da produção infantil (por exemplo desenhos) como parte da produção estética, nunca se chegou a reclamar a origem da produção artística.
A Arte está agora mais perto portanto da brincadeira e mais longe de uma produção forçada que não possui qualquer diversão ou prazer.
A Arte contemporânea pode agora conhecer os seus motivos e encontrar um ponto de fusão.
Que se liberte o pensador-criança, o filósofo-prático, o artista-criador.





..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... .....







Eu quero brincar! Quero brincar. Ei ei ei!
Que trabalhe o sistema por mim. Eu quero ser apenas criador.
Quero brincar, poder desenhar. Saltar, jogar ou pensar. Talvez hoje apenas contemplar...
Não quero mais uma produção forçada, frustrada, limitada...
Quero-me divertir e pintar e esculpir se quiser, procurar novas formas, descobrir ou imitar.
E não quero ser uma criança! Quero apenas ter o direito de brincar como as crianças!
Quero divertir-me! Quero ser, crescer, aprender sem parar!
Quero poder brincar.
E que me paguem por isso que é de toda a justiça! Pois eu também vos alimento a todos com o meu conhecimento.
Quero poder brincar e ser finalmente aquilo que sou!





Cracóvia, 4 de Maio de 2007

Leandro Bento


(Edited on 30-04-17)

No comments: